Ensinamentos de como ser odiado por toda uma cidade
Já ouviu falar da cidade de Cleveland? De nome, creio que a maioria já. É uma das principais cidades do estado de Ohio, no meio-oeste dos EUA. Talvez o que a maioria dos que não conhece a cultura estadunidense não saiba é da fama da cidade.
Ela é conhecida por ser uma cidade sem grandes atrativos, “sem sal”. Por que visitar Cleveland? Não há nada lá. É o que se diz comumente. Porém, entre 2003 e 2010, uma estrela colocou Cleveland no mapa.
O esporte da cidade é um dos grandes motivos de sua ridicularização. Dos grandes esportes dos EUA, basquete, futebol americano e beisebol, os representantes do município têm uma história no mínimo vergonhosa. O Cleveland Browns, do futebol de capacetes, foi o último a ter um título nacional. Mas há exatos 46 anos. No esporte do bastão, o Cleveland Indians tem dois títulos, mas o último há 62 anos. O Cleveland Cavaliers, do esporte da cesta, nunca venceu um. E até 2007, nunca sequer havia chegado na final da NBA.
Em 2003, porém, o história do Cavaliers mudaria por completo. Um menino de 18 anos, ali do Ohio mesmo, chegou ao time. Mas não se engane com a idade. Ela não impediu-o de receber o apelido de “Rei”. Rei James.
LeBron James, contrariando o que quase todos os jogadores da NBA fazem, não passou pela faculdade antes de jogar entre os profissionais. Se formou no ensino médio e já foi para o meio dos marmanjos. Um fenômeno. Camisa 23, se tornou o maior candidato a sucessor de Michael Jordan. Na temporada que antecedeu a chegada de James, o Cavs havia vencido apenas 17 das 82 partidas na temporada. Com sua chegada, venceram 35. Nas seis temporadas seguintes, nunca venceram menos que 42, incluindo uma em que venceram 66, a melhor temporada da história da franquia. É o fator LeBron.
Em 2007, jogando praticamente sozinho, carregou a franquia para sua primeira final nos quase 40 anos de existência. Na semifinal, contra o Detroit Pistons, uma apresentação memorável, quando fez 48 pontos jogando no ginásio adversário, partida com duas prorrogações (foto). Os últimos 25 dos 109 pontos de Cleveland foram feitos por ele. Inacreditável. Mas, vencer, seria demais. Na melhor de sete jogos da final, levou um 4 a 0 para o San Antonio Spurs.
Essa derrota trouxe à tona a discussão: ele irá mesmo igualar ou superar Jordan? Pois este, na década de 90, levou o Chicago Bulls a seis títulos, sendo MVP (melhor jogador da temporada) nas seis temporadas. Ninguém nega o talento de James, mas, sem títulos, ele corre o risco de ser posto de lado na história. As semelhanças eram enormes. Antes da chegada de Jordan, o Bulls não significava muito. Depois, virou o time da moda. Mas Jordan venceu.
A pressão em LeBron aumentou. Ele precisava de triunfos. Os três anos após a final de 2007 foram frenéticos para o ainda jovem ala. O Cavs se reforçou em busca do anel (a NBA premia atletas campeões com um cobiçado anel). James continuou voando. Enchendo os olhos de todos, atraindo cada vez mais a publicidade para Cleveland. Venceu dois MVP. Em 2009, Cleveland, reforçado, fez a melhor campanha na temporada regular, vencendo 66 jogos. Todos tinham a certeza que, desta vez, venceriam. Caíram na semi-final para o Orlando Magic.
A temporada 2009-2010 era a última do contrato que LeBron e Cleveland assinaram em 2007 (curiosidade: contrato de três anos, no valor de quase US$ 50 milhões!). A idéia de que ele, nascido e criado no Ohio e idolatrado em Cleveland, pudesse deixar o Cavs existia, mas poucos acreditavam que ele sairia de lá. Ainda mais se fosse campeão. Mas um novo fracasso, desta vez, sem nem chegar à semi-final.
E agora?
Em junho deste ano, quando terminou a temporada, começou a temporada de caça a LeBron. Cifras exorbitantes foram oferecidas ao astro, por várias franquias. O Cavs entre elas. O medo da população local de ver seu cidadão mais notável deixá-la começou a crescer. Porém LeBron silenciou e deixou para anunciar seu destino em data marcada: 8 de julho. Dá pra se ter uma idéia do número de especulações, não dá?
Na data marcada, a ESPN americana organizou um programa especial apenas para ouvir da boca de LeBron a resposta para a pergunta, “em que time você jogará daqui pra frente?”. O pograma foi chamado “A Decisão”, transmitido para todo o planeta ao vivo. Eu vi cada segundo na ESPN daqui. Após responder várias perguntas inúteis de um jornalista, LeBron anunciou.
“Neste outono, eu levarei meus talentos para a Praia do Sul (Flórida) e me juntarei ao Miami Heat”
O Heat já contava com o melhor jogador da NBA (na minha opinião), Dwyane Wade, e havia acabado de contratar um dos melhores, Chris Bosh. Com LeBron na soma, formou um dos times mais talentosos da história e tem tudo para vencer vários títulos. Teoricamente, óbvio.
Ele escolheu o caminho mais fácil para vencer. Mostrou sua grande gana em ser campeão. Mas... e Cleveland? Em uma antiga entrevista da qual não sei a data, ele havia dito, “eu tenho uma meta, uma enorme meta, que é trazer um título da NBA aqui para Cleveland e eu não vou parar até conseguir”. Palavras ao vento.
Hoje, quatro meses após assinar com o Heat, Cleveland simplesmente odeia LeBron. Em jogo do Indians (lembre-se, beisebol), um imbecil resolveu aparecer com uma camisa do Heat, já com o nome e número de James. Teve de sair escoltado do estádio.
Veja esta campanha publicitária que LeBron e a Nike, sua patrocinadora, fizeram. Basicamente, a mensagem passada é “eu faço o que quero da minha carreira, não você”. E veja, em seguida, a resposta que a cidade de Cleveland deu ao comercial, com legendas em português.
Quem está certo e quem está errado?
A opinião. É claro que LeBron é quem deveria escolher seu destino, fosse ele Cleveland ou não. Mas por que deixar para a última semana possível? E por que organizar um programa transmitido ao vivo para todo o planeta, apenas para anunciar sua escolha? Sobre a escolha de sair de Cleveland e ir buscar o caminho mais fácil para o título, eu não faria como ele. Tenha em mente que a diferença monetária não foi levada em consideração, uma vez que todos ofereceram fortunas semelhantes a ele. Então, um título vencido pelo Cavs valeria bem mais que dez vencidos com o super time do Heat. Mas tudo bem. Porém, o que merece ser criticado é a forma que ele fez essa opção. Foi humilhante para a torcida do Cavs. Vide o ódio gerado.
LeBron não errou ao sair. Errou na maneira como o fez. E agora, uma grande mancha marcará sua carreira para sempre, vença ele quantos títulos vencer.
Ela é conhecida por ser uma cidade sem grandes atrativos, “sem sal”. Por que visitar Cleveland? Não há nada lá. É o que se diz comumente. Porém, entre 2003 e 2010, uma estrela colocou Cleveland no mapa.
O esporte da cidade é um dos grandes motivos de sua ridicularização. Dos grandes esportes dos EUA, basquete, futebol americano e beisebol, os representantes do município têm uma história no mínimo vergonhosa. O Cleveland Browns, do futebol de capacetes, foi o último a ter um título nacional. Mas há exatos 46 anos. No esporte do bastão, o Cleveland Indians tem dois títulos, mas o último há 62 anos. O Cleveland Cavaliers, do esporte da cesta, nunca venceu um. E até 2007, nunca sequer havia chegado na final da NBA.
Em 2003, porém, o história do Cavaliers mudaria por completo. Um menino de 18 anos, ali do Ohio mesmo, chegou ao time. Mas não se engane com a idade. Ela não impediu-o de receber o apelido de “Rei”. Rei James.
LeBron James, contrariando o que quase todos os jogadores da NBA fazem, não passou pela faculdade antes de jogar entre os profissionais. Se formou no ensino médio e já foi para o meio dos marmanjos. Um fenômeno. Camisa 23, se tornou o maior candidato a sucessor de Michael Jordan. Na temporada que antecedeu a chegada de James, o Cavs havia vencido apenas 17 das 82 partidas na temporada. Com sua chegada, venceram 35. Nas seis temporadas seguintes, nunca venceram menos que 42, incluindo uma em que venceram 66, a melhor temporada da história da franquia. É o fator LeBron.
Em 2007, jogando praticamente sozinho, carregou a franquia para sua primeira final nos quase 40 anos de existência. Na semifinal, contra o Detroit Pistons, uma apresentação memorável, quando fez 48 pontos jogando no ginásio adversário, partida com duas prorrogações (foto). Os últimos 25 dos 109 pontos de Cleveland foram feitos por ele. Inacreditável. Mas, vencer, seria demais. Na melhor de sete jogos da final, levou um 4 a 0 para o San Antonio Spurs.
Essa derrota trouxe à tona a discussão: ele irá mesmo igualar ou superar Jordan? Pois este, na década de 90, levou o Chicago Bulls a seis títulos, sendo MVP (melhor jogador da temporada) nas seis temporadas. Ninguém nega o talento de James, mas, sem títulos, ele corre o risco de ser posto de lado na história. As semelhanças eram enormes. Antes da chegada de Jordan, o Bulls não significava muito. Depois, virou o time da moda. Mas Jordan venceu.
A pressão em LeBron aumentou. Ele precisava de triunfos. Os três anos após a final de 2007 foram frenéticos para o ainda jovem ala. O Cavs se reforçou em busca do anel (a NBA premia atletas campeões com um cobiçado anel). James continuou voando. Enchendo os olhos de todos, atraindo cada vez mais a publicidade para Cleveland. Venceu dois MVP. Em 2009, Cleveland, reforçado, fez a melhor campanha na temporada regular, vencendo 66 jogos. Todos tinham a certeza que, desta vez, venceriam. Caíram na semi-final para o Orlando Magic.
A temporada 2009-2010 era a última do contrato que LeBron e Cleveland assinaram em 2007 (curiosidade: contrato de três anos, no valor de quase US$ 50 milhões!). A idéia de que ele, nascido e criado no Ohio e idolatrado em Cleveland, pudesse deixar o Cavs existia, mas poucos acreditavam que ele sairia de lá. Ainda mais se fosse campeão. Mas um novo fracasso, desta vez, sem nem chegar à semi-final.
E agora?
Em junho deste ano, quando terminou a temporada, começou a temporada de caça a LeBron. Cifras exorbitantes foram oferecidas ao astro, por várias franquias. O Cavs entre elas. O medo da população local de ver seu cidadão mais notável deixá-la começou a crescer. Porém LeBron silenciou e deixou para anunciar seu destino em data marcada: 8 de julho. Dá pra se ter uma idéia do número de especulações, não dá?
Na data marcada, a ESPN americana organizou um programa especial apenas para ouvir da boca de LeBron a resposta para a pergunta, “em que time você jogará daqui pra frente?”. O pograma foi chamado “A Decisão”, transmitido para todo o planeta ao vivo. Eu vi cada segundo na ESPN daqui. Após responder várias perguntas inúteis de um jornalista, LeBron anunciou.
O Heat já contava com o melhor jogador da NBA (na minha opinião), Dwyane Wade, e havia acabado de contratar um dos melhores, Chris Bosh. Com LeBron na soma, formou um dos times mais talentosos da história e tem tudo para vencer vários títulos. Teoricamente, óbvio.
Ele escolheu o caminho mais fácil para vencer. Mostrou sua grande gana em ser campeão. Mas... e Cleveland? Em uma antiga entrevista da qual não sei a data, ele havia dito, “eu tenho uma meta, uma enorme meta, que é trazer um título da NBA aqui para Cleveland e eu não vou parar até conseguir”. Palavras ao vento.
Hoje, quatro meses após assinar com o Heat, Cleveland simplesmente odeia LeBron. Em jogo do Indians (lembre-se, beisebol), um imbecil resolveu aparecer com uma camisa do Heat, já com o nome e número de James. Teve de sair escoltado do estádio.
Veja esta campanha publicitária que LeBron e a Nike, sua patrocinadora, fizeram. Basicamente, a mensagem passada é “eu faço o que quero da minha carreira, não você”. E veja, em seguida, a resposta que a cidade de Cleveland deu ao comercial, com legendas em português.
Quem está certo e quem está errado?
A opinião. É claro que LeBron é quem deveria escolher seu destino, fosse ele Cleveland ou não. Mas por que deixar para a última semana possível? E por que organizar um programa transmitido ao vivo para todo o planeta, apenas para anunciar sua escolha? Sobre a escolha de sair de Cleveland e ir buscar o caminho mais fácil para o título, eu não faria como ele. Tenha em mente que a diferença monetária não foi levada em consideração, uma vez que todos ofereceram fortunas semelhantes a ele. Então, um título vencido pelo Cavs valeria bem mais que dez vencidos com o super time do Heat. Mas tudo bem. Porém, o que merece ser criticado é a forma que ele fez essa opção. Foi humilhante para a torcida do Cavs. Vide o ódio gerado.
LeBron não errou ao sair. Errou na maneira como o fez. E agora, uma grande mancha marcará sua carreira para sempre, vença ele quantos títulos vencer.
4 comentários:
Muito bom texto!
10 de novembro de 2010 às 16:34É impressionante a reação negativa em relação ao Lebron. Não lembro de nenhuma ocorrência desse tipo na NBA. Concordo com você. O Lebron tem todo o direito de não permanecer em Cleveland, mas do jeito que tudo aconteceu ficou feio demais. E em relação ao time do Miami agora? Vence a NBA agora? Vai virar uma dinastia?
Quanto a Cleveland vai um video de como ela é motivo de piada nos EUA:
http://www.youtube.com/watch?v=oZzgAjjuqZM
Alberto Antunes
Caramba, SENSASIONAL essa musiquinha! hahaha Exatamente como eu imaginava, principalmente a parte do "sol três vezes por ano" haha E viu, "our economy is based on LeBron James".
11 de novembro de 2010 às 11:28Sobre Miami, eu penso sim que eles vencerão até mais de um título. Lembra que ninguém pensava que Boston venceria quando Garnett e Allen chegaram em 2008? Pois é. E uma diferença básica entre os dois Big Threes é a idade. Os três de Miami estão jovens e ainda nem chegaram ao auge de seu jogo, que normalmente é nos 30 anos de idade.
Acho Boston o único time capaz de pará-los nos Playoffs. Mas não apostaria.
O problema não é sair, as pessoas mudam de emprego. Mas ele deveria ter respeitado a sua cidade, deu povo.
11 de dezembro de 2010 às 13:16Para os locais é como se Batman trocasse Gotham por Metrópolis.
Eu concordo totalmente com o texto e com os comentários abaixo, porém acho que as vezes comentamos mais do LeBron pela sua deslealdade do que de outro jogador melhor tecnicamente pelo seu basquete, o Kobe Bryant é melhor que o Lebron, mais técnico e se não me falha a memória já levou 3 títulos ao Lakers.
12 de dezembro de 2010 às 21:36Postar um comentário